O Ensino (não) Religioso
Carlos André Cavalcanti[1]
O debate sobre o Ensino Religioso voltou. Está na mídia e na academia. A disciplina é obrigatória pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e é a única que está prevista na própria Constituição Federal, mas enfrenta contestação e preconceito no dia-a-dia das escolas. Matérias, entrevistas, livros e até editoriais estão sendo publicados com duras críticas. O desmantelamento da disciplina no Rio de Janeiro, onde a sucessão de governos da família Garotinho (ela e ele cristãos evangélicos) tornou o Ensino Religioso carioca um ato de catequese escolar, tem servido de motivo para uma crítica generalizada, que é injusta para com os educadores que militam dentro da lei, de forma laica, como ocorre em João Pessoa e na Paraíba.
Há, na verdade, uma enorme confusão sobre este assunto. O Ensino Religioso, pela lei e na prática da maioria dos docentes, já não pode ser e não é... religioso! É, deve ser, tem sido... laico, mas muitos teimam em não ver este avanço.
Há história nisso. O Ensino Religioso foi a base da ação cristã evangelizadora – quase sempre católica – por muitas décadas entre o final do período imperial e a consolidação da República. Era um ensino DE religião e não SOBRE religião. Os valores cristãos eram postulados como de adesão obrigatória e não enfocados dentro de uma quadro geral plural, ao lado de outras religiões que existem e que atuam no Brasil e no mundo. Além disso, toda a carga histórica do envolvimento de instituições religiosas com atos de intolerância acaba confundindo as pessoas, pois estudar o fenômeno religioso não é justificar os atos das instituições religiosas, mas entender a religião em si.
Hoje, o Ensino Religioso está vinculado à área de Ciência(s) da(s) Religião(ões), já com mais de 30 anos de existência nas universidades do país. O Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso - FONAPER, do qual participo da coordenação nacional, tem postura científica. O Fórum vem, nos seus mais de 15 anos de história, demonstrando que há um caminho para a disciplina navegar entre os dois rochedos dos quais fala o historiador das religiões Mircea Eliade: o rochedo do religiosismo de um lado e o rochedo da intolerância contra a religião do outro. Este “caminho do meio” é um ponto de equilíbrio que estamos construindo meticulosamente.
Numa época em que os nossos estudantes estão à procura de critérios existenciais, quando os índices de criminalidade e de bullying crescem assustadoramente, o Ensino Religioso é porto seguro para compreender as formas de sociabilização e para encontrar modelos para a vida. Venham tais modelos de qualquer religião [ou mesmo de compreensões filosóficas “sem deus(es)”], o fato é que a escola precisa suprir minimamente o lado formativo. Mesmo não substituindo a família neste processo, a escola precisa sair do quase exclusivismo dos conteúdos curriculares, pelo qual alunos imersos em dúvidas existenciais são expostos apenas a informações e “assuntos”, na direção de um modelo escolar que inclua melhor a formação.
O enriquecimento do debate sobre o Ensino Religioso passa pela admissão de que se trata de uma tema com muitas facetas.
[1] Professor da UFPB nas áreas de História e Ciências das Religiões. Doutor em História.
(Agradeço ao Prof. Dr. Carlos André a colaboração para meu blog )
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