Cristianismos
(Carlos André Cavalcanti*)
Há 100 anos, o Padre Cícero era eleito prefeito de Juazeiro. A data nos permite refletir sobre a origem da religiosidade poderosa que ainda hoje cerca a figura do padre.
Vem do passado colonial do Nordeste. Foi lá, entre o século XVII e o início do século XIX, que o povo mestiço do sertão forjou mais um dentre os muitos cristianismos que a História das Religiões registra. Este cristianismo – de muita reza e pouco padre, de muita promessa e pouca missa – foi erguido e sustentado com pouquíssima presença do clero católico, que preferia o conforto das cidades litorâneas ao trabalho duro de evangelizar esta gente pobre e despossuída que habitava nossos sertões.
O Padre Cícero, a beata Maria Araújo e o povo de fé que anima o Juazeiro são herdeiros desta firme tradição religiosa. Tal tradição foi se consolidando no século XVIII com a ajuda do jesuíta Gabriel Malagrida, taumaturgo e apóstolo do Brasil. Malagrida deixou as missões indígenas em São Luís para percorrer a pé mais de sete mil quilômetros dos nossos sertões: norte a sul, leste a oeste. Pregando, fazendo curas e previsões, construindo casas de caridade, Malagrida percebeu que a vibração dos cânticos, das promessas santas e das benzeduras dava aos sertanejos uma religiosidade própria.
Uma fé centrada na emoção é incompreensível para os ditames racionalistas do Concílio de Trento e do constante processo de romanização da fé cristã. A mesma incompreensão se verifica atualmente para os devotos do Padre Cícero Romão Batista. Uma fé até hoje incompreendida e subestimada pela maior parte dos homens que ocupam as hierarquias terrenas de diversas igrejas e denominações cristãs. Já naquele tempo, os excluídos de todos os tipos, principalmente mulheres prostituídas, receberam de Malagrida a maior atenção, como Jesus Cristo certamente teria feito!! A fama de Malagrida chegou a Portugal em plena era do despotismo absolutista do Marquês de Pombal.
O apóstolo do Brasil, nascido italiano, acabou preso, processado, torturado, morto pelo golpe covarde do garrote vil e ainda queimado na fogueira da fé, tudo por determinação do Santo Ofício da Inquisição no auto-de-fé de Lisboa a 21 de setembro de 1761. Século e meio depois, a fé em torno de Cícero e Maria Araújo levaria a Igreja a interrogá-los quase inquisitorialmente, mas os tempos já não permitiam os velhos “excessos” àqueles poucos ainda dispotos a isso....
O olhar terno e firme dos romeiros de Cícero revela as constelações míticas e as metáforas das elegias epifânicas que envolvem o Padre Cícero. Revela também a coragem e a resistência serena de um povo em geral largado e criticado por sua(s) igreja(s), pelas classes ou castas dirigentes e pelo Estado Nacional brasileiro. Este povo, cristão a seu modo, nos mostra a nós mesmos sem (pre)conceitos, pois esta fé identifica um pouco do que nós somos diante deste mundo globalizado.
Vem do passado colonial do Nordeste. Foi lá, entre o século XVII e o início do século XIX, que o povo mestiço do sertão forjou mais um dentre os muitos cristianismos que a História das Religiões registra. Este cristianismo – de muita reza e pouco padre, de muita promessa e pouca missa – foi erguido e sustentado com pouquíssima presença do clero católico, que preferia o conforto das cidades litorâneas ao trabalho duro de evangelizar esta gente pobre e despossuída que habitava nossos sertões.
O Padre Cícero, a beata Maria Araújo e o povo de fé que anima o Juazeiro são herdeiros desta firme tradição religiosa. Tal tradição foi se consolidando no século XVIII com a ajuda do jesuíta Gabriel Malagrida, taumaturgo e apóstolo do Brasil. Malagrida deixou as missões indígenas em São Luís para percorrer a pé mais de sete mil quilômetros dos nossos sertões: norte a sul, leste a oeste. Pregando, fazendo curas e previsões, construindo casas de caridade, Malagrida percebeu que a vibração dos cânticos, das promessas santas e das benzeduras dava aos sertanejos uma religiosidade própria.
Uma fé centrada na emoção é incompreensível para os ditames racionalistas do Concílio de Trento e do constante processo de romanização da fé cristã. A mesma incompreensão se verifica atualmente para os devotos do Padre Cícero Romão Batista. Uma fé até hoje incompreendida e subestimada pela maior parte dos homens que ocupam as hierarquias terrenas de diversas igrejas e denominações cristãs. Já naquele tempo, os excluídos de todos os tipos, principalmente mulheres prostituídas, receberam de Malagrida a maior atenção, como Jesus Cristo certamente teria feito!! A fama de Malagrida chegou a Portugal em plena era do despotismo absolutista do Marquês de Pombal.
O apóstolo do Brasil, nascido italiano, acabou preso, processado, torturado, morto pelo golpe covarde do garrote vil e ainda queimado na fogueira da fé, tudo por determinação do Santo Ofício da Inquisição no auto-de-fé de Lisboa a 21 de setembro de 1761. Século e meio depois, a fé em torno de Cícero e Maria Araújo levaria a Igreja a interrogá-los quase inquisitorialmente, mas os tempos já não permitiam os velhos “excessos” àqueles poucos ainda dispotos a isso....
O olhar terno e firme dos romeiros de Cícero revela as constelações míticas e as metáforas das elegias epifânicas que envolvem o Padre Cícero. Revela também a coragem e a resistência serena de um povo em geral largado e criticado por sua(s) igreja(s), pelas classes ou castas dirigentes e pelo Estado Nacional brasileiro. Este povo, cristão a seu modo, nos mostra a nós mesmos sem (pre)conceitos, pois esta fé identifica um pouco do que nós somos diante deste mundo globalizado.
artigo escrito para o site :
* Prof.Dr Carlos André Cavalcanti
Doutor em História -
Professor Associado da
Universidade Federal da Paraíba nas Áreas de
Ciências das Religiões e História.
Líder do Grupo Videlicet de Estudos em Religiões, Intolerância e Imaginário
Foto de Ivan Correia.
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