Carlos André Cavalcanti¹
Na história recente – pelo menos desde o início da nossa República – o Ensino Religioso no Brasil foi marcado, naturalmente, pelo uso da pregação religiosa da maioria católica, que teve um papel determinante na trajetória da educação antes e depois da sua formalização. Antes, durante o período colonial, quando a escola pública como a conhecemos hoje ainda não existia, também o catolicismo prevaleceu: meio tridentino no litoral, meio reinventado no interior pelo povo dos sertões e brejos. Sertões de poucos padres e poucas missas, mas de muitos beatos, orações, promessas, procissões, rezas e santos que o povo escolhe sem ter motivos para consultar Roma.
A república trouxe a pretensa separação entre Estado e Igreja. mas estudos recentes mostram que a influência católica ainda permanece forte, só que agora concorrendo com as dos evangélicos e neopentecostais.
A Lei 9.475, de 1997, esclareceu que o ensino religioso é parte integrante da formação básica do cidadão, assegurando o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, “vedadas quaisquer formas de proselitismo”, e que “os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores”. Foi um passo para a promoção da tolerância e da diversidade religiosas no país. Recentemente tivemos a criação do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa: 21 de janeiro, que já foi objeto de evento pioneiro na Paraíba realizado pelo Grupo Videlicet neste ano de 2011.
O ensino religioso na escola pública deve tornar acessível aos alunos o conhecimento acumulado sobre a origem das diversas tradições religiosas e as bases científicas que analisam o fenômeno religioso em si nos mais diferentes povos ao longo de toda a História, sem interferir na opção religiosa individual e respeitando o caráter didática na transmissão de seus conteúdos.
Os atuais Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) estabelecem que o Ensino Religioso compreende a sistematização do fenômeno religioso a partir das raízes das diversas tradições religiosas (orientais, ocidentais, ameríndias e africanas). É instrumento de apoio no processo de apropriação de conhecimentos para os quadros do magistério público, dentro das expectativas sociais vigentes de assumir sua responsabilidade constitucional na construção de uma sociedade mais justa e humana.
A comunidade universitária tem um papel específico no apoio a este projeto de realizar o que está previsto na lei. A nossa experiência em 2008 na coordenação da Formação Continuada dos docentes da Prefeitura Municipal de João Pessoa serve como exemplo do papel que podemos e devemos ter.
As aulas de formação dos docentes foram realizadas com intenso debate com os professores da rede municipal sobre suas dificuldades metodológicas e suas necessidades pedagógicas. Estes debates originaram um levantamento das situações-problema, com discussões sobre a atuação adotada e as soluções encontradas por cada professor, com sugestões dos outros colegas para os problemas de cada unidade. Foram seis meses de atuação proveitosa e construtiva. Como é da “natureza” da área, encontramos como adversidade a presença ainda – mesmo que minoritária – do ensino religioso de caráter “pregacional” ou até prosélito. Mesmo que tais dificuldades tenham surgido explicitamente de forme muito minoritária, consideramos que a função pedagógica de tais reações serviu para o amadurecimento da nossa equipe de tutores.
A identidade grupal e o fortalecimento individual do professor como profissional do Ensino Religioso foram acentuados positivamente!
Especificamente quanto à percepção dos conceitos científicos essenciais em Ciências das Religiões, como os de mito (no sentido antropológico), sacralidade, profano, experiência transcendental ou das descobertas científicas da área de Saúde em Psiconeuroimunoendocrinologia – acerca do fenômeno religioso e das emoções –, houve interesse e aceitação por parte dos professores na apreciação abstrata dos temas, mas não ocorreu com a mesma intensidade a apreciação da interação excludente da religiosidade pessoal com tais conteúdos em aula. Houve, por exemplo, recusa por parte de um setor do grupo da classificação antropológica mítica da Virgem Maria e histórico-mítica de Jesus de Nazaré. Tais mitos são contundentemente defendidos por alguns colegas como personagens e vivências necessariamente “reais” e “históricos”. Nota-se que ainda há, para muitos, carência e/ou recusa de formação científica. Trata-se de situação que demanda solução outra, para além dos atos pedagógicos da Formação Continuada, posto que a veiculação de tal conteúdo fere a LDB e a própria Constituição.
Nota-se que é necessário continuar trabalhando a tolerância e a alteridade como caminhos para o Estudo das Religiões nos Ensinos Fundamental e Médio.
Este artigo foi enviado pelo Prof. Dr. Carlos André Cavalcanti
Doutor em História
Professor Associado da Universidade Federal da Paraíba
História das Religiões
Professor Associado da Universidade Federal da Paraíba
História das Religiões
Líder do Grupo Videlicet de Estudos em Religiões, Intolerância e Imaginário
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